16 de outubro de 2009

HERBERTO, EU, E AS MÃES DOS DOIS. AINDA QUE  IMAGINÁRIAS

Ao ler, por acaso, a tese de doutoramento de Luís C. de Sant'anna Maffeir, para a Universidade F. do Rio de Janeiro, sobre Herberto Helder, vejo que faz a gentileza de estabelecer um breve paralelismo entre dois momentos do nosso trabalho. Agradeço, dos muitos furos abaixo desse grande poeta, em que me encontro. E admito que a dissertação faz sentido. O erotismo é, de facto, um fogo que se alimenta de combustões variadas. Algumas indizíveis

"A irmandade da qual Herberto Helder faz parte ganha mais um partícipe em Possidónio Cachapa, pelo menos no que diz respeito ao tema da vinculação entre mãe e filho. No romance A Materna doçura, um dos principais personagens é Sacha G., apresentado logo no primeiro parágrafo (1998, p. 11):
Sacha G. não chegou a rei da pornografia aos vinte anos, como se costuma dizer. Pelo contrário: tinha mais de trinta, um casamento arruinado e muitas dívidas, quando teve a ideia de se dedicar à Pornografia Maternal.
(...)
Logo, quando lhe apareceu essa ideia de filmar homens, a rodar nus, à volta do corpo lânguido e acolhedor das mães, não viu nisso nada de estranho (...). Pareceu-lhe a consagração do mais interdito dos interditos ou, se preferirem, a mais natural das coisas proibidas.
Nada há de pejorativo, aqui, na expressão “pornografia”. Se o étimo de pórnos aponta para algo como “depravado”, pode ser lido também como aquele, ou aquilo, que se torceu ou corrompeu. E grafia é escrita, seja sobre papéis em branco, seja em imagens na tela, como no caso de Sacha G. A personagem de A materna doçura, portanto, realiza uma combustão semelhante à herbertiana ao enaltecer o interdito e ver, na possibilidade de interpenetração entre mão e filho, “a mais natural das coisas proibidas”, o mais natural dos percursos, dos intercursos. O fato de as personagens de Sacha G. serem sempre homens feitos, e não crianças, revela a perenidade da condição de filho, pelo menos no caso de quem se mantenha in-fans, seja qual for a idade. Conjecturo um paralelo entre dois dos contos de Os passos em volta aqui citados: a presença das “putas” em “Vida e obra de um poeta” lembra “Duas pessoas”, em que um dos narradores é uma prostituta. Se “as putas de Pigalle” (HELDER, 1997a, p. 150) são as mães do homem, aquela com quem ele realiza a união sexual em “Duas pessoas” também o será. Mais uma vez mãe e mulher fundem-se, e fica evidenciado que “a combustão dos filhos” de “Fonte” é, com efeito, uma ardência que se origina do desejo erótico. "

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